© Sérgio Spritzer, setembro 2021
A interação humana tem ficado cada vez maior, complexa e desafiadora desde o início da civilização. E o desafio ganhou escala quando entramos na sociedade industrial e mais ainda com a revolução da alta tecnologia representada pela internet. Desde o modo de perceber dentro da sociedade digital, parece iminente que as relações humanas perderão o seu lugar para os automatismos das máquinas. E mais ainda: que na melhor das hipóteses haverá máquinas inteligentes que tomarão o nosso lugar.
Afinal qual tem sido o nosso lugar como espécie humana e como um artifício que nós criamos poderia nos substituir? A ideia de que nós somos uma espécie de supercomputadores cibernéticos que se programam a si mesmos tem prosperado desde a “revolução das máquinas” como eu chamo a revolução industrial até a revolução da alta tecnologia digital que vivemos até o momento. Ela está, na minha percepção dando lugar a outra revolução, também tecnológica, talvez, mas dessa vez não digital e cibernética e sim mental e operada de forma analógica.
Falamos muito da internet das coisas com o advento da velocidade de transmissão 5G e em breve da 6G. Mas ainda poucos têm o horizonte do que pode ser chamado de ou sociedade voltada para as pessoas, o horizonte da tecnologia voltada para a interação humana. Se colocada ao lado da internet das coisas poderíamos fazer uma analogia e dizer que então ela seria uma internet das pessoas. Nela, o foco não será mais nas coisas e no fazer instrumental e sim nas pessoas e no fazer relacional.
Na “internet das pessoas”, já não tem tanta relevância a eficiência tecnológica por si mesma, pois ela está sendo alcançada cada vez mais facilmente. Vão ficar obsoletos os parâmetros tradicionais de uma métrica digital de espaço e de tempo. Por exemplo, predeterminar o tempo de finalização de um projeto de uma maneira linear e de cima para baixo. Todos os dias acordamos com mil planos na cabeça e eles nunca se realizam da forma como cada um planeja. E no outro dia novamente dormimos e acordamos com novos planos linearmente estabelecidos, autoimpostos, ou impostos por outros, que também nunca acontecem. Há uma espécie de cegueira psíquica coletiva de não perceber, apensar de todas as evidências contra, que nenhum planejamento feito por alguém isoladamente vale para uma coletividade. É o movimento interativo, o que se passa entre as pessoas que vai pós-determinar o que de fato vai acontecer e não o poder ou prestígio e até mesmo a competência do indivíduo tomado isoladamente. É o andar da carroça que faz o caminho; e para a surpresa de muitos, não estamos sozinhos.
Uma pessoa vinda de um ambiente de trabalho de alta tecnologia, fortemente marcado pela precisão e pressão em cumprir metas e entregar resultados, se surpreende diante de uma coleção variada de profissionais que em meio turno na sua casa, vindos de diferentes equipes, conseguem trabalhar juntos e comporem os resultados em um tempo surpreendente. Elas se reconhecem e se umas às outras naturalmente. E o resultado aparece. Simples e fácil. Surpreendente. Mágico.
O sujeito lembra de uma tendência de “hoje em dia” dos colaboradores se guiarem por ondas de tendências de resultados e de fato, não mais se basearem em tempo preestabelecidos. Haveria uma nuvem de dados iluminando com luzes o teatro das operações e iluminando o caminho dos atores. Isso parece lindo, mas tem limitações. Vejamos quais:
Havia um espetáculo teatral chamado de lanterna mágica. Nele os atores manipulavam lanternas para causar um efeito visual alucinante na plateia, ativando a imaginação das pessoas para verem formas de coisas, pessoas e bichos em forma de desenhos muito cativantes. O resultado é encantador. Mas não se iluda: Quem produzia tais resultados eram as pessoas interagindo entre elas e não as luzes que elas carregavam com maestria.
Existem pessoas por trás de ondas de dígitos nas nuvens como por trás das lanternas do teatro. Nem os dígitos ou luzes aparecem do nada.
As interações humanas vêm antes das invenções tecnológicas e visam facilitar o modo como elas acontecem. A ideia de que o artifício criado pela relação das pessoas com as outras e com as coisas tendem substituí-las é altamente questionável.
Máquinas são feitas para resolver problemas que humanos definem como relevantes. Se existisse uma máquina que calculasse a relevância de um problema ela seria analógica e não digital. A mente humana trabalha de uma forma essencialmente analógica mesmo que nesse momento civilizatório a gente de destaque ao modo como criamos artifícios digitais. Talvez o maior equívoco dos nossos tempos seja o de atribuir à mente uma competência essencialmente digital de operação quando na verdade ela é movida à desejos, motivações e expectativas “não lineares” e “complexas” como é o mundo quântico relativístico descoberto pelos físicos. Talvez justamente não seja por um mero acaso o uso dessas expressões um tanto ambíguas e da necessidade paradoxal de criar princípios tal como o da incerteza de Heisenberg de não saber exatamente qual é o estado objetivo de um evento (no caso dele de um gato, vivo ou morto por abrir um recipiente com radiação dentro de uma caixa invisível aos olhos do observador externo). Não se pode determinar a ocorrência de um fenômeno sem saber qual a posição do observador. Isso não vale, obviamente só para a física como também para todas as formas de ciência. É nessa medida que o modo como percebemos a realidade “altera” a realidade. Ela é sempre e invariavelmente muito mais complexa do que o modo como a vemos....
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