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Como formamos o senso de realidade?

© Sérgio Spritzer | Retirado do livro: A Revolução Dialógica


A noção de coletividade depende da formação de um sentido em comum das nossas interações. Crenças e valores não são passados automaticamente de geração em geração. A construção de uma ideia de que algo é verdadeiro ou falso, mesmo em fenômenos físicos, depende de uma interação com as coisas e com pessoas.

Quando algo nos deixa perplexos, por exemplo, temos a expressão e o gesto de se beliscar para ter certeza de que tal coisa é mesmo percebida por nós e não é uma alucinação. A sensação de conexão com a experiência de ser/ter corpo e a consciência de que ele implica um complexo organismo é a referência maior para avaliarmos a nossa percepção. A experiência de interagir com laços de confiança, seja consigo, seja com o outro e outros além de nós, funda a convivência social.


Com a revolução industrial e da sociedade de consumo em massa às relações sociais se tornaram cada vez mais assimétricas: criaram-se grandes organizações de produção de um lado esforçando-se por persuadir às outras, de consumo, a consumir ideias ou bens desde uma certa forma não integrada, não negociada desde o interesse e desde o exame das partes. A sociedade de massas, seja ela de venda de ideias ou produtos, não se abre ao exame profundo da negociação em curso: o indivíduo, casais, times, famílias, organizações, não examinam de forma satisfatória as ideias e produtos que realmente lhes interessam para uma vida boa.


A comunicação unilateral que se estabelece parece um jogo dado e dá a impressão de que só podemos interagir assim usando a influência sem necessidade de uma interação visando uma composição de propostas de baixo para cima de forma cada vez mais implicada e coerente.  Dito de outra forma, a realidade do jogo não são simplesmente as regras dele. São as interações que se passam ao longo do jogo. Às relações humanas forjam a realidade e podem mudar as regras do jogo. A história dos jogos esportivos evidência justamente isso. Às regras mudam de tempos em tempos para facilitar o jogo. Eventualmente ocorre uma transformação dele ficando diferente do original e inclusive mudando o próprio jogo.


O propósito deste livro é oferecer ao leitor os fundamentos para uma revolução social que está para acontecer em muito breve alavancada pelas transformações tecnológicas. A chamada transformação digital está oferecendo algo muito mais revolucionário que a internet das coisas: é a internet das pessoas e a utilização sofisticada do instrumento mais poderoso de construção social que é, sempre foi, o diálogo. É através das interações dialógicas que formamos a noção de realidade. Ela não cai do céu nem brota da terra, nem é entregue pronta por persuasão e ideologias.


Como formamos o senso de realidade?


A realidade não vem pronta como um dado para um sistema de algoritmos. O senso de realidade precisa ser um consenso entre mim , mim mesmo, o ambiente e o outro, que aí está ou é suposto estar. Para está ciente de mim preciso estar ciente de mim enquanto existente, enquanto corpo. Eu comigo mesmo é eu pensante em relação ao meu eu existente no mundo. Não existe outra forma de estar autoconsciente.


. O corpo é fluxo estável e contínuo. Nosso senso de fluxo mental é derivado da presença estável da sensação do corpo e outras a ela associadas.  Mesmo estando isolados e flutuando em uma mente na temperatura do corpo, estamos cientes de si, em função da relação com ele, o corpo. Só com o tempo um experimento com pessoas nesse estado, verificou-se que elas começaram a alucinar a relação com ambientes imaginários.

 

O trecho se refere ao experimento de John C. Lilly com tanques de isolamento sensorial, que ele realizou na década de 1950 para estudar os efeitos da privação sensorial no cérebro humano. Lilly criou câmaras que reduziam ao mínimo a atividade de todos os sentidos, fazendo com que os participantes flutuassem em água salgada aquecida à temperatura do corpo, em um ambiente escuro e silencioso. Lilly observou que, após um tempo nessas condições, os participantes entravam em um estado de relaxamento profundo e começavam a ter alucinações visuais e auditivas, como se estivessem em contato com outros mundos ou seres. 


O ambiente primário é a relação com o corpo. Eu sou o que sinto que sou. Não sou o que penso que sou. O pensar é uma consequência de se sentir elevado a uma certa potência de abstração que iremos tratar aqui.


O sinto que sou enquanto experiência subjetiva vem antes do que eu penso que sou ou o que eu acredito a respeito de outras pessoas e coisas.


O corpo tem ciência de si. O senso de continuidade liga, relaxa e descansa. É a instância de um estado de com-ciência fundamental, não racional, dado intuitivamente. O feto e o bebê recém-nascido "sabe" quando se sente bem ou mal, quando ouve a voz da mãe e assim por diante. O senso de familiaridade e reconhecimento vem da relação Eu-corpo. Tu-corpo e coisa corpo."

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